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O princípio da boa-fé objetiva nos contratos

O artigo 113 do Código Civil dispõe que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração".

Autor: Paulo Magalhães NasserFonte: Valor Econômico

O artigo 113 do Código Civil dispõe que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". Na mesma linha, consta de forma expressa do artigo 422 que "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".

Os dispositivos acima mencionados estabelecem, no direito posto, o princípio da boa-fé, que se apresenta no Código Civil de 2002 como uma verdadeira chave de todo um sistema jurídico. Com efeito, trata-se o princípio da boa-fé de norma fundante que tem como uma de suas funções primordiais dar sentido às demais normas integrantes do Código Civil e até mesmo de legislação extravagante em matéria civil.

O artigo 113, topologicamente localizado no capítulo concernente às disposições gerais dos negócios jurídicos, traz consigo o imperativo de que os negócios jurídicos deverão ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar em que se deu a celebração. O já mencionado artigo 422, inserto nas disposições gerais dos contratos, imputa às partes contratantes o dever de observar a boa-fé durante toda a relação contratual, desde a celebração do negócio jurídico até sua efetiva execução. Nesse particular, entendemos que a observância da boa-fé deve se dar antes da celebração do negócio, já nas tratativas, estendendo-se além do momento final da execução daquilo que foi pactuado entre as partes. Isto é, na fase pós-contratual, de forma a tutelar pela boa-fé a eficácia e manutenção do que outrora se pactuou, dando-se ultratividade à lealdade e cooperação que devem nortear os liames contratuais.

A despeito de alguns - poucos - entenderem que a cláusula geral de boa-fé inserta no artigo 422 tem sua incidência limitada ao período que vai da conclusão do contrato até sua execução, não abarcando as fases pré-contratual e pós-contratual, sustentamos posição diversa.

Isso porque, a despeito de expressamente não estarem contempladas as referidas fases, como estão no artigo 1.337 do Código Civil Italiano de 1942, os artigos 113 e 422 do Código Civil brasileiro são absolutamente claros ao dispor que a boa-fé deve ser observada pelas partes nos negócios jurídicos, os quais devem ser interpretados também segundo a boa-fé e os usos do local da celebração.

A fase pré-contratual está prevista no dispositivo por ser intimamente ligada ao nascedouro do negócio jurídico, no qual deve imperar a boa-fé. De mais a mais, se na fase de negociações restar configurada uma proposta por uma das partes, esta estará obrigada a cumpri-la integralmente, nos termos do artigo 427 do Código Civil, salvo exceções previstas de forma expressa, o que denota clara medida de preservação da boa-fé.

A fase pós-contratual, no mesmo passo, comporta incidência da cláusula geral de boa-fé, uma vez que as atividades nela desempenhadas pelas partes, conquanto o contrato já tenha se aperfeiçoado e sido executado, têm reflexo direto naquilo que outrora foi entabulado e especialmente nos efeitos que se pretendeu fossem emanados do contrato. Assim, qualquer ato desprovido de boa-fé, que frustre os objetivos e efeitos pretendidos com a avença dantes firmada, terá sua licitude questionada e poderá ensejar o dever de indenizar nesta fase pós-contratual.

Há de se afirmar, ainda, que o artigo 187 do Código Civil dispõe que "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes", restando claro, portanto, que a licitude de um ato, analisado de forma isolada, poderá dar lugar à ilicitude e ao dever de indenizar se este ato estiver em um contexto violador da boa-fé, dos bons costumes e dos limites socioeconômicos do direito cujo exercício, em tese, seria lícito. Trata-se do abuso de direito, cuja ocorrência acarreta o dever de indenizar daquele que, no exercício de um direito, excede os limites razoáveis e causa danos a outrem.

Vê-se, claramente, que havendo abuso de direito por uma das partes contratantes na fase que precede à contratação - pré-contratual -, bem como naquela que sucede o período de execução do contrato - pós-contratual -, haverá legítimo respaldo legal para que a parte prejudicada formule pretensão indenizatória contra aquele que, no exercício de um direito, excede os limites da boa-fé, dos bons costumes e dos fins socioeconômicos do contrato. Afirma-se, assim, ser a boa-fé imperativa nas fases pré-contratual e pós-contratual , não sendo consentâneas com a realidade do ordenamento pátrio, embora respeitosas, as assertivas no sentido de que o artigo 422 deveria também dispor sobre responsabilidade pré-contratual, isto é, fazer a extensão do comportamento de boa-fé à fase pré-contratual e que nada estaria dito na cláusula geral de boa-fé sobre aquilo que se passa depois do contrato.

Aplicando-se a boa-fé desde as tratativas até a fase posterior à efetiva execução do contrato, tem-se, a partir do cotejo dos artigos 113, 187 e 422 do Código Civil, que o direito posto explicita norma que faz recair sobre as partes envolvidas em um dado negócio jurídico os deveres anexos de probidade, sinceridade, transparência, honestidade, lealdade e cooperação, a fim de que o encontro de vontades que enseja a celebração do negócio jurídico seja confluente para o adimplemento do fim visado e declarado pelas partes, fechando-se portas a possíveis e indesejáveis distorções. Ao mesmo tempo que norteia a conduta das partes, a boa-fé atua como norma comportamental, o que faz Reale afirmar que a boa-fé representa o "superamento normativo, e como tal imperativo, daquilo que no plano psicológico se põe como intentio leal e sincera, essencial à juridicidade do pactuado."

Paulo Nasser é advogado especialista em contencioso cível do escritório Demarest e Almeida

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