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Globalização: Fato ou mito?

Estará a globalização atual está fadada a ter um fim?

O agravamento da prolongada crise financeira mundial tem levado a questionar a globalização. Será esta, da forma com vem sendo entendida nos últimos anos, apenas um mito? Será que, como ocorreu com o período de grande internacionalização ocorrido nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, a globalização atual está fadada a ter um fim?

Para responder a essas questões, deve-se entender o estágio em que se encontra a integração econômica mundial e quais são os ensinamentos que podemos tirar desta crise.

Apesar de todo o burburinho provocado em torno da globalização, não podemos ainda dizer que “o mundo é plano”. É o que mostra Pankaj Ghemawat em seu livro recém-publicado, World 3.0, que adota um método simples e intuitivo para avaliar o grau de integração hoje existente, ao considerar os fluxos e atividades que podem ocorrer tanto dentro como através das fronteiras nacionais e calcular qual porcentagem destes pode ser considerada internacional.

Com isso, chega-se a alguns resultados surpreendentes. Por exemplo, o investimento estrangeiro direto correspondeu em média, nos últimos anos, a apenas 10% do investimento total mundial, o que sugere que aproximadamente 90% de todo o investimento fixo mundial ainda é doméstico. No que se refere ao dinheiro investido por fundos de capital de risco, apenas 15 a 20% de seu total são por eles aplicados fora dos países onde se encontram as suas sedes. E, ao analisar as bolsas de valores mundiais, o resultado não é aquele que seria de se esperar em uma economia globalizada: somente por volta de 20% das ações estão nas mãos de investidores estrangeiros.

Se, como fato, a globalização tem sido posta em dúvida, como ideia ela também gera controvérsias. Em livro também publicado neste ano – The Globalization Paradox –Dani Rodrik argumenta que a força desse processo se baseava em uma narrativa que defendia a sua capacidade de reduzir a pobreza nos países em desenvolvimento, bastando para isso que estes abrissem suas fronteiras ao comércio e aos investimentos internacionais. Com a crise, essa narrativa perdeu apelo e credibilidade, já que alguns países que seguiram a cartilha da globalização à risca fracassaram, enquanto outros que não o fizeram foram bem sucedidos. A conclusão é que o capitalismo não comporta um modelo único, sendo necessária uma presença maior ou menor do Estado, caso a caso.

Seria a globalização, assim, um mito? É o que pareceria. Mito é um termo que pode se aplicar a uma crença sem embasamento – como seria, para Ghemawat, a noção de que já estamos vivendo em um mundo plano. Em outra acepção, o mito é uma narrativa de caráter simbólico, que procura explicar uma dada realidade – o que combina com a opinião de Rodrik sobre o discurso de que a integração total dos mercados levaria à salvação econômica universal. Logo, seja como algo que de fato não está acontecendo, seja como uma história contada para nos maravilhar e nos atrair para o caminho da desregulamentação, a globalização poderia ser entendida como um mito.

No entanto, a globalização é uma realidade. Mesmo nas áreas em que a internacionalização se restringe a uma porcentagem não tão grande das atividades mundiais, as consequências de se desagradar ao “mercado” podem ser maiores do que se esperaria. Ainda que uma porcentagem pequena das ações esteja em mãos de estrangeiros, uma revoada destes pode amedrontar os investidores domésticos, provocando a queda da bolsa de valores de um determinado país e causando – na irracional reação de manada já conhecida – um contágio global. O poder de pressão das empresas estrangeiras com investimentos diretos em países em desenvolvimento também é real, porque esses países querem continuar a atrair mais investimentos e temem perder aqueles já existentes. Sendo assim, é verdadeira a conclusão de que a globalização levou a um enfraquecimento do Estado nacional, que vê limitadas as opções de políticas públicas que pode adotar.

Além disso, a globalização é uma realidade difícil de ser revertida, por estar amparada por tratados e organizações internacionais que protegem alguns dos princípios relacionados à liberalização econômica. Essa não é, no entanto, uma conclusão negativa. A globalização, desde que bem administrada, pode ser benéfica, e tem tirado milhões de pessoas da pobreza. E, ainda que seja preciso avaliar sua contribuição em outras áreas – caso das mudanças climáticas, mas isso é tema para outro artigo – o potencial da globalização extrapola os aspectos meramente econômicos. Nesse sentido, se é verdade que a globalização, da forma como está posta hoje, é dificilmente compatível com a ideia de autonomia nacional, por outro lado esta pode se tornar uma forte aliada da democracia – principalmente quando combinada à revolução tecnológica, como mostrou a recente primavera árabe.

Portanto, a globalização precisa ser desmistificada. Isso não significa que ela não exista, nem que não possua efeitos significativos. O mais importante neste momento de crise é descobrir como estimular a globalização, para que esta não seja apenas um mito, no sentido de falsa aparência de integração mundial, e entender como governá-la, para que esta não se resuma à narrativa que nos foi contada até agora, na qual a falta de controles democráticos é causa de crescente desigualdade e de frequente instabilidade econômica.

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