Uma eventual aceleração dos preços nos próximos meses pode levar o governo a diminuir a vigilância no câmbio, abrindo espaço para quedas adicionais do dólar, avalia a estrategista de câmbio para a América Latina do RBS Securities, Flavia Cattan-Naslausky. Ainda assim, ela prevê que o dólar termine o ano perto de R$ 2,00, uma vez que o governo continuará agindo para evitar que uma valorização da taxa de câmbio tire a competitividade da indústria brasileira.
Para a estrategista, a redução nos volumes negociados no mercado cambial brasileiro nas últimas semanas decorre, principalmente, das medidas do governo e da postura defensiva dos agentes externos. O que pode ter força para modificar esse cenário no curto prazo, em sua avaliação, é o anúncio de estímulos monetários pelos bancos centrais dos Estados Unidos, da zona do euro e da China. Baseada nisso, Flavia traça um cenário positivo para os fluxos ao Brasil nos próximos meses, também por conta da expectativa de recuperação da economia doméstica.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Os volumes negociados no mercado de câmbio local têm ficado abaixo da média desde o mês passado, ao mesmo tempo que o dólar se sustenta em torno de R$ 2,05. Em que medida a queda nos negócios decorre da intervenção do governo?
Flavia Cattan-Naslausky: Não há como negar que as medidas do governo no câmbio, principalmente o IOF nos derivativos, são, em parte, responsáveis por essa queda nos volumes. Certos agentes de mercado, como os "hedge funds", gostam de alguma volatilidade, porque operam em cima dela. Isso, consequentemente, acaba aumentando os volumes. Com menos volatilidade, você tem menos espaço para operar, por isso o impacto nos negócios. Mas há outros fatores a se considerar. De modo geral, julho e agosto tendem a ser mais parados em todos os mercados, por causa das férias de verão [no hemisfério Norte]. Além disso, hoje os investidores estão muito mais interessados em preservar capital do que fazer grandes apostas. Há menos ativos de "carry trade" com fundamentos positivos, e as taxas de juros no mundo inteiro estão baixas. Com isso, os agentes acabam tomando posições mais longas. As posições curtas, que costumam gerar mais volume intradiário, portanto, ficam em segundo plano, o que colabora para a diminuição dos volumes negociados.
Valor: Uma eventual aceleração nos preços nos próximos meses pode levar o governo a afrouxar o controle do câmbio?
Flavia: A princípio, sim, porque é menos uma coisa com se que preocupar. Mas ainda acho que o dólar nos atuais níveis tem impacto inflacionário limitado. Nesse sentido, não acho que o governo vá deixar a taxa de câmbio ir para R$ 1,90 ou R$ 1,80, por exemplo. Isso porque tem toda uma preocupação com a indústria, e ainda não há sinais claros de uma recuperação consistente.
Valor: Qual a perspectiva para o fluxo cambial nos próximos meses?
Flavia: É positiva, principalmente se os bancos centrais dos Estados Unidos, da zona do euro e da China confirmarem as expectativas e anunciarem estímulos. Ainda que uma pequena parcela desses recursos seja direcionada ao Brasil, será uma quantia considerável. Os investimentos precisam de uma "new home", e o Brasil é atrativo quando comparado a economias da Europa, por exemplo. Esses ingressos também viriam na esteira de uma recuperação da economia, após o governo ter anunciado algumas medidas econômicas. Mas ainda há algumas pedras no caminho. O "fiscal cliff" [abismo fiscal] nos Estados Unidos é uma delas. Esse tema vai ganhar destaque nos próximos meses e, caso não haja um acordo, as perspectivas para o crescimento dos EUA vão sofrer uma deterioração, o que tenderia a afastar novamente investidores do risco e, potencialmente, reduzir os fluxos ao Brasil.
Valor: Qual a previsão do RBS para o dólar no final do ano?
Flavia: Pensamos que o dólar deve fechar o ano perto dos R$ 2,00. Mas esse cenário considera uma não ruptura na Europa e manutenção de baixas perspectivas de crescimento nas economias centrais. O que é mais certo é que o governo deve manter a vigilância no câmbio.
Valor: As medidas de estímulo do governo, boa parte na forma de desoneração fiscal, podem ameaçar a meta de superávit primário?
Flavia: Existe essa discussão, mas acho que o Brasil está bem nesse assunto. A questão é que se continua com o modelo voltado apenas para consumo, que deu sinais de que está perdendo efeito. O Brasil deveria reforçar os investimentos, principalmente em infraestrutura, que é o que a China faz quando precisa estimular a economia. Também é necessário que haja confiança na implementação dessas medidas. Não basta apenas liberar os recursos, é necessário fazer com que eles cheguem facilmente ao destino e sejam aplicados corretamente.