Não era para ser difícil como foi, muito menos frustrante como foi, mas foi. Se tornou um case por um erro já clichê em vendas, furiosamente combatido por inúmeros autores reconhecidos no mercado e profissionais de consultoria em seus artigos para Internet, revista ou jornal.
O dia não importa porque não lembro e em nada acrescenta este dado ao que aqui vou relatar.
Esclareço ao leitor que tudo o texto é real, uma história real, recente, ocorrida numa conhecida loja de colchões.
Inicio então:
Naquele dia acabava de sair de uma loja num shopping center do Rio de Janeiro. Comprei alguns dvd's para assistir. É um hobby assistir filmes, antigos ou novos não importa desde que os diálogos sejam bons.
Passei em frente a loja de colchões, estava praticamente vazia, o que não é incomum para o horário noturno. Lembro-me de três funcionários, com o gerente quatro pessoas na loja, um era mulher.
Como em toda loja sempre existe o vendedor da vez. Ao entrar um rapaz se dirigiu até mim e perguntou-me que tipo de colchão estava procurando. Esclareci que não tinha pretensão de comprar, mas que estava fazendo uma cotação e queria saber o preço de um bom colchão ortopédico - tenho problemas de coluna e por isso buscava algo bem específico.
O vendedor me fitou, parecia ler minha alma, o que me deu certa segurança admito, mas depois começou a me assustar. Eu senti então alguém com algo de extraordinário, exagero, mas era isso que senti. Se estivesse usando ouro diria que foi isso, anel de diamantes ou roupas de grife cujo preço chega a ser obsceno para citar.
Meu vendedor então apresentou duas opções que se enquadravam, segundo ele, em minhas necessidades. O primeiro custava os olhos da face e o segundo meus olhos serviriam de entrada. E foi aqui que a frustração começou.
O produto era bom, indiscutível, inclusive fiquei sabendo que são vendidos para hotéis cinco estrelas no Rio de Janeiro segundo o vendedor. Não contestei a qualidade em momento algum. Mas o preço estava me deixando incomodado, afinal, eu não pensava em abrir um hotel de luxo para ser digno da ideia de um investimento assim.
Me interessei pelo que só me custariam os olhos. Descartei imediatamente o outro e perguntei sobre outras opções mais em conta para alguém que não pretende abrir um hotel cinco estrelas. Lógico que me furtei aos comentários que aqui faço com o único interesse de identificar a falha.
Meu vendedor percebendo alguma chance que eu talvez tenha transparecido de poder levar o colchão que não descartei e buscando me convencer de que esta escolha de fato era a melhor para mim chamou-me ao assento, colocou-se sentado a minha frente, puxou um papel e caneta e começou a fazer vários cálculos, iniciando assim um tipo desconto sobre desconto. Como estávamos no início de agosto, colocando minha compra como que realizada no mês de julho poderia me vender o colchão cinco estrelas por um preço abaixo da atualização da tabela prevista para agosto. Um segundo desconto foi lançado caso o pagamento fosse no cartão e as parcelas, salvo engano, 10x sem juros adicionais, mais um desconto da loja...
Voltei a dizer que não tinha pretensão de fazer compra naquele dia, estava cotando e recebi como resposta uma pergunta que questionara minha insegurança em fechar um negócio tão bom e abrir mão da chance única que se fez presente nas palavras dele. Respondi que se tratava de planejamento, nada mais. Então ele chamou o gerente da loja pedindo autorização para mais um desconto na minha compra, o gerente senta-se sobre uma das camas próximas a mesa de negociação (ou persuasão) olha fixamente para mim e eu me mantenho em posição defensiva porque senti que agora seriam dois contra um. O gerente concedeu mais um desconto, ampliou o prazo de pagamento e me deu dois travesseiros de brinde, sendo um deles para minha namorada segundo ele. Lamentavelmente não tinha compromisso com mulher alguma na época, o colchão em questão era de solteiro (propositalmente omiti essa informação de você amigo leitor, espero que entenda) então dois ou três travesseiros para mim era indiferente. Mas esse deslize pouco me incomodava, eu tinha um tubarão me caçando.
Olhando para o vendedor, e chateado com o gerente, disse que entendia o que estava havendo ali e que não gostava do que estava acontecendo: não me sentia nada bem sendo praticamente coagido a comprar um colchão cinco estrelas só porque todos os descontos imagináveis e inimagináveis me foram dados. Eu estava cotando, havia dito isso umas três vezes e parecia que quanto mais dizia que não iria comprar, mas me tratavam como se estivesse fechando a compra.
Fui claro creio eu. Ameacei levantar-me da mesa e ir embora quando o vendedor novamente me perguntou o que me impedia de fechar essa grande oportunidade, sentei-me. Pensei se deveria desenhar. Não aceitaria mais esse colchão cinco estrelas do inferno nem que me fosse dado. Minha respiração começou a mudar, estava com raiva de tudo aquilo mas não queria perder a calma. Quando outro vendedor atrás de mim disse que a oportunidade realmente era boa - agora eram três contra um, mas de nada isso me servia pensei.
Novamente o vendedor me fez voltar a atenção para aquele maldito papel rabiscado de contas, descontos e porcentagens cumulativas, imperdíveis, que eu estava recebendo. Puxou então um formulário e começou a tomar nota de meu endereço para entrega. Aquele momento para mim foi o fim do mundo. Disse ao rapaz, pela última vez, que não pretendia fazer compra alguma, já tinha dito, ninguém me deu atenção e que iria embora e, no caso de fazer a compra, seria futuramente e através de outra pessoa porque eu não poderia retornar aquela loja (por falta de condições emocionais poderia acrescentar). Ele entendeu no meu tom de voz, não em minhas palavras, que não fecharia negócio algum comigo. Me separei dele e pedi seu nome porque certamente enviaria outra pessoa e pediria para buscar ele e falar dessa negociação e todos os descontos propostos que fizeram o colchão cinco estrelas do vale dos infernos custar no final 1.200,00, mais de 50% só em desconto sobre desconto. Para minha nova surpresa ele disse que não saberia se poderia repetir aquilo, chamou o gerente, sua última tentativa de fechar negócio. O gerente disse que não era certeza, eu disse que era uma pena então. Pronto, eu estava decididamente dando um fim aquela negociação que começou com uma simples pergunta sobre colchões e cotação.
Peguei o nome do vendedor e fui embora.
Dois dias depois, fui com meu pai em outra loja da rede, indicada por ele. Comprei o colchão, ganhei um travesseiro sendo o total da compra 570,00 dentro das especificações acima mencionadas. Ora, minha coluna merece um bom repouso.
De frustrado que estava, apesar dos dois dias para esquecer aquele dia, eu mencionei ao meu pai, na intenção de fazer o vendedor me ouvir, o que acontecera, resumidamente, enfatizando minha satisfação de ter feito a compra em tão pouco tempo e dentro das condições que me satisfaziam, desde qualidade do material até o preço que estava disposto a pagar por isso. Questionei a qualidade do treinamento da loja aos seus funcionários porque alguns deles parecem estar num tipo de guerrilha. Curiosamente o vendedor sabia quem era apenas eu dizendo em que loja da rede tinha acontecido tudo. Negativou com a cabeça como quem rejeita um ato de amadorismo era o que me parecia em sua expressão.
Se aquele vendedor tivesse me feito essa simples pergunta que mudaria o rumo de toda a história eu teria ficado muito feliz. A pergunta era: quanto está disposto a investir? A percepção da qualidade eu tinha, era incontestável, mas comprar um colchão por 1.200,00 líquido porque toda a sorte de descontos já foram abatidas do valor principal, era algo que eu simplesmente não podia conceber.
Então aqui fica minha dica aos leitores que trabalham com vendas: ouçam seus clientes, entendam que qualidade é uma questão de percepção e os mais cautelosos cruzam qualidade x preço concluindo assim se a compra é ou não interessante. O cliente tem seus próprios paradigmas e não é numa negociação forçada que se consegue extrair um bom negócio. Alguns até conseguem, mas isso não é valor, não é atendimento de qualidade e muito menos sinal de bom treinamento. O cliente aqui é apenas um ser com cabeça, tronco e membros munido de uma carteira e cartão de crédito. Não é isso que queremos.
O cliente quer ser ouvido, respeitado e bem atendido. Deixem que o cliente decida se o negócio é bom ou não, mas saibam argumentar e não comemorem o que o cliente ganha na intenção de levá-lo ao aperto de mãos mais rápido.
O cliente sabe o que quer e você na posição de vendedor não sabe. E por favor, não use de gírias se percebe que o cliente não faz uso delas, não force uma aproximação só para efetuar uma venda. Fica até chato de ouvir e lidar com um vendedor assim.