Entrar para o digital é fácil; difícil é ganhar tração e escala. A frase, de Marcelo de Paula, CEO da holding de bebidas OHCA, aponta os desafios das marcas nascidas no digital para ganhar mercado.
Assim como muitos negócios se reinventaram na pandemia para driblar a queda nas vendas, a solução encontrada pelos criadores das cachaças Jós e Joselita e vinhos inspirados na Semana de 22, foi apostar nas vendas on-line com vendas D2C (sigla em inglês para 'direto ao consumidor).
O modelo de comercialização direto da indústria para o cliente final não é novo, explorado no Brasil por grandes marcas como Tramontina, Karsten, Swift, Whirpool, e em outros grandes mercados globais.
Mas ganhou aderência com a pandemia, foi considerado tendência na NRF 2022, e tem sido adotado também por pequenos e médios negócios, principalmente de origem on-line.
O objetivo é o mesmo: eliminar elos intermediários da cadeia, como importadores, distribuidores e varejistas, para levar ao consumidor um produto de qualidade, mas com menor preço.
"Se não fosse assim, nosso (vinho) Chardonnay da marca 22, que custa R$ 55 no site, sairia entre R$ 90 e R$ 110 na gôndola do supermercado", explica de Paula. O resultado? No caso do Grupo OHCA, ganhos de tração e escala e crescimento de 135% em 2021.
A estratégia, amplamente utilizada por DNVBs (ou marcas nascidas no digital, na sigla em inglês), ajuda a fazer a integração completa em toda a cadeia, da produção e distribuição até o pós-venda, diz Eduardo Yamashita, COO da Gouvêa Ecosystem e diretor de inteligência de mercado da MosaicoLab.
"O D2C prevê o desenvolvimento de um canal próprio de distribuição, mas obviamente o digital permite alcançar essa escalabilidade de maneira mais intensa. E ainda, com menor capital investido."
SEM PERDER O DNA DIGITAL
Criada pelos amigos Marcelo de Paula, Rodrigo França, Guiherme Melo e Renato Saghi após passarem a virada de 2015 em Alter do Chão (PA) e conhecerem a cultura do Norte do país, a cachaça de jambu Jós foi a primeira marca desenvolvida pelos novos sócios.
A construção dessa marca, e as experiências criadas para apresentá-la tiveram apelo forte junto aos apreciadores desse tipo de bebida.
Então, decidiram apostar em marcas jovens, contemporâneas e disruptivas. Assim nasceu a holding OHCA, "a casa brasileira das bebidas", conta de Paula.
Por meio da boa parceria com produtores da cachaça no Pará, revendiam para bares, restaurantes e até supermercados. E definiram que, em janeiro de 2020, lançariam uma marca de vinhos, já que essa indústria tinha um apelo tradicional e elitista que afastava o consumidor leigo.
Mas veio a pandemia, e o D2C entrou na jogada não só por tendência, mas para compensar a queda nas vendas com o fechamento do comércio. A dica de um cliente, que vendia muito pelo digital via apps de entrega, como iFood e Rappi, acendeu o alerta, conta de Paula.
No caso dos vinhos do Grupo 22, fabricado por parceiros de Bento Gonçalves (RS), de Paula conta que o D2C foi fundamental pois, para 85% dos clientes, o drive de compra é preço (até R$ 55). "Enófilo não compra assim, então tiramos o intermediário para ser acessível na ponta."
Construindo a marca do zero, inspirada na semana de arte modernista, também entenderam que esse DNA digital era imprescindivel: diferente de outras categorias, a venda on-line de bebidas é mais frequente. "Marcas como a e-Vino e a Wine tiveram o papel de educar esse consumidor", afirma.
Mas havia outro desafio. Se o ponto ruim da gôndola é o preço, o ponto positivo é a visibilidade. Então, criaram uma estratégia "parruda" de marketing no on-line para testar, metrificar, errar e acertar, apoiada em influenciadores, promoções criativas e lançamentos mensais de bebidas.
Tudo para sedimentar as marcas na cabeça do consumidor. "Mas não adianta fazer só um anúncio: ele precisa saber que lançamos sempre rótulos novos, com vídeos e propagandas para rodar na rede e experimentação no mundo físico para atrair para o on-line."
Ou seja, o OHCA descobriu que não dá para ficar refém dos algoritmos: vender no digital é mais do que marketing, diz de Paula, pois envolve produtos disruptivos, um canal comercial sólido e parcerias bem amarradas para ter escala, garantir recorrência e não ser estrangulado por esse universo.
A estratégia até agora tem dado certo. A holding faturou R$ 680 mil em 2020, e em 2021 fechou o ano com R$ 1,6 milhão em vendas de 25 mil garrafas - o que gerou o crescimento de 135%. Também exportou quase 10 mil garrafas da Jós e da Joselita para a Polônia e a Austrália.
Só com as marcas da família 22, faturou R$ 1,7 milhão e alcançou receitas totais de R$ 3,2 milhões. A expectativa para 2022 é alta: crescer 70% a 80% e faturar R$ 3 milhões só com os vinhos modernistas. E continuar apostando nas vendas para o exterior, e na ativação das marcas no varejo.
Mas sem perder o DNA digital, afirma de Paula. E mesmo entendendo que o mundo físico é importante para construir marca e experimentação. "É importante a simbiose entre os dois mas, como dono, quero manter esse DNA pois o e-commerce é nosso principal canal de vendas", sinaliza.
O DESAFIO DA COMPLEXIDADE
Para adotar o D2C, as empresas, em especial as pequenas que precisam construir sua marca, podem encarar o modelo como canal complementar, ou como canal principal de distribuição.
No primeiro caso, varejistas tradicionais usam o D2C como canal adicional. A estratégia é posicionar sua marca da maneira como gostaria que fosse vista pelo consumidor, seja por fatores como preço, sortimento, serviços, ou até se ela é premium ou 'de massa', afirma Eduardo Yamashita.
Outro ponto é, quando se usa como complementar e tira custos intermediários, a marca fica mais próxima do consumidor, entendendo na ponta como ele consome e principais tendências. E é claro: quando a indústria tem um canal complementar, reduz sua dependência do varejo tradicional.
"Mas o ponto negativo é exatamente esse: parte das vendas da indústria, nem preço, nem canal, são controladas por ela. É uma falta de controle, que torna o uso do D2C desafiador."
Já a estratégia de adotar o D2C como principal canal de vendas, como o Grupo OHCA, é típica de DNVBs que passam a vender em lojas próprias ou de parceiros para ampliar visibilidade, diz.
Aqui, o principal canal sempre será o D2C, tendo o preço como grande diferencial, por absorver margens que originalmente seriam do varejo. "Quem oferece essa proposta de valor - produtos melhores a preços menores - sempre consegue se diferenciar da concorrência."
Yamashita destaca mais um desafio para adotar esse canal como principal: o da complexidade em ganhar escala, crescendo apenas com a ajuda próprias pernas, e sem a construção de uma marca forte.
Daí a importância de fazer boas parcerias, orienta. "Dentro da infraestrutura já instalada do varejo, dificilmente se consegue montar a logística, o atendimento ao consumidor e muito menos o pós-venda. Afinal, é uma complexidade muito grande para tocar a operação sozinho."