A demanda por crédito pelos pequenos negócios e MEIs, para capital de giro, compra de equipamentos ou até mesmo quitação de dívidas aumentou desde o início da pandemia. Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam que foram captados R$ 166 bilhões em empréstimos e financiamentos voltados a esse grupo apenas em 2021.
Mesmo assim, uma das grandes dificuldades dessas empresas sempre foi conseguir crédito por meios tradicionais, devido à necessidade de garantias como carros ou imóveis. Mas algumas fintechs têm mudado esse cenário, liberando o dinheiro de outras formas para reduzir riscos.
E em alguns casos, no mesmo dia - como a SuperSim, que recebeu aporte recente de fundos de venture capital e oferece crédito até R$ 2,5 mil a quem colocar o celular como garantia atrelado ao sistema da fintech - o aparelho é bloqueado em caso de parcela em atraso ou inadimplência.
Criada originalmente para atender pessoas físicas, a empresa viu aumentar o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) que passaram a buscar esse tipo de crédito na pandemia, mesmo com o valor baixo, para resolver emergências.
"Hoje, eles respondem por 12% da nossa carteira total de crédito", diz o CEO Antônio Brito.
Já a ACCredito, fintech da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), oferece linhas de crédito orientado e sem exigência de garantias para micro e pequenos empresários paulistas.
O recurso é concedido por meio de convênio com o Sebrae-SP, que será o garantidor via Fundo de Aval à Micro e Pequena Empresa (Fampe). Nesse caso, os empreendedores são monitorados do momento em que buscam o empréstimo, recebendo auxílio da formalização do pedido até a gestão do recurso recebido.
Há também a SRM Asset, junto com sua fintech proprietária Trusthub, que oferecem linhas de capital de giro com garantias de recebíveis para pagar em até 36 meses.
A operação é realizada por meio de um FIDC (Fundo de Investimento de Direitos Creditórios), coinvestido com o BNDES, que surgiu para ajudar MPEs no cenário recessivo da pandemia.
E ainda, a BizCapital, que libera "crédito fumaça" com trava nos recebíveis futuros. Ou seja, nos valores de cartão de crédito e débito, já que a fintech pede acesso aos dados de transação na maquininha que o empreendedor tem expectativa de receber nos próximos dias ou meses.
Há um Valor Diário Máximo de Retenção (VDMR), segundo a fintech, que será direcionado para a amortização da dívida. Se o empreendedor tiver recebíveis maiores do que o VDMR, é livre para adiantá-los junto ao arranjo de pagamento, ou receber na conta sem ser travado.
A pergunta é: para um micro ou pequeno negócio, vale recorrer ao crédito dessa forma? Patrícia Peceguini, consultora de negócios e finanças do Sebrae-SP, afirma que hoje as fintechs de microcrédito buscam cada vez mais uma atuação inovadora, levando facilidades às pessoas físicas e jurídicas ainda sem acesso ao sistema bancário, mas que necessitam de recursos de maneira rápida e adequada às suas necessidades. Atendem, ainda, o público que não possui as garantias tradicionais.
Ela explica que pode ser compensador tomar este tipo crédito (como o de bloqueio de celular) para as pessoas que já contraíram dívidas cujos juros são mais altos do que os oferecidos nesta alternativa, sendo assim uma maneira de trocar juros altos por encargos menores.
"No entanto, é preciso ficar atento ao valor máximo liberado, pois em caso de ausência de pagamento, algumas funções (do celular ou da maquininha) podem ficar bloqueadas."
Mesmo assim, além de procurar ter as finanças em dia, antes de tomar crédito de qualquer tipo, a consultora diz que é importante ter entendimento sobre as reais causas desta necessidade de capital pela empresa, e quais medidas devem ser tomadas para a melhoria dos resultados.
Se ainda assim o crédito for necessário, a especialista do Sebrae-SP e Milton Luiz de Melo Santos, presidente da ACCredito, listam a seguir alguns pontos importantes para facilitar essa busca - e sem comprometer o planejamento estratégico da empresa:
AVALIE ANTES - Patrícia Peceguini cita algumas medidas para melhorar resultados e assim evitar ou postergar o pedido de empréstimo. Entre elas, a abertura de novos canais de vendas, redução de custos, ampliação do prazo de pagamentos a fornecedores, redução no prazo de recebimentos dos clientes e o aumento da produtividade e giro dos produtos. "Enfim, fazer mais com menos."
Mas, se precisar dos recursos financeiros, é recomendada a elaboração minuciosa do fluxo de caixa da empresa, projetado para os próximos seis meses, para identificar a necessidade de capital de giro.
"A empresa também deve fazer simulações do valor das parcelas, uma vez que estas integrarão o 'contas a pagar', e devem estar previstas nas saídas de caixa futuras", explica.
Santos, da ACCredito, alerta que vale olhar se a instituição financeira opera com aval do Sebrae/Fampe. "Quando opera, consegue oferecer crédito a uma taxa de juros bem mais baixa", afirma.
O QUE PODE FACILITAR - A declaração correta do valor de faturamento da empresa para o Fisco, seja via IRPJ ou Declaração do MEI, é um fator imprescindível para comprovação da capacidade de pagamento. Já a existência de movimentação bancária na pessoa jurídica é desejável, ou até obrigatória para se obter algumas linhas de crédito, afirma Patrícia.
O bom planejamento demonstrado via sistemas ou planilhas financeiras sinaliza organização e aumenta a confiança na empresa. "Possuir e apresentar ao banco contratos assinados com clientes aumenta a probabilidade de liberação de crédito a juros mais baixos, pois confere maior segurança à operação."
Além disso, ter histórico de bom pagador faz toda a diferença, segundo o presidente da ACCredito, o que inclui um bom score, não ter apontamentos restritivos e nem pendências financeiras recorrentes. "É preciso ter um certo nível de pontos no seu score, ou o agente financeiro não faz a operação."
FIQUE DE OLHO - Com relação específica ao momento da tomada de crédito, a especialista do Sebrae-SP orienta a conhecer o Custo Efetivo do Credito (CET), que vai além da taxa de juros da operação, e envolve custos de cadastros, seguros e outros. "Ressaltamos que é direito do consumidor ter acesso a este custo antes de obter o empréstimo", destaca.
É importante comparar opções de crédito em várias instituições, além de fazer uma leitura cuidadosa do contrato. E ter cuidado com sites desconhecidos que solicitam dados, nem fazer depósitos ou pix para liberar o crédito. "Fique atento às possibilidades de fraude", alerta.
Também é preciso olhar com atenção a instituição financeira ou a fintech onde o contrato será firmado, segundo Milton Santos, porque crédito sem garantia só é concedido a micro e pequenas empresas.
"Há outras linhas do Sebrae/Fampe, mas a ACCredito da ACSP é praticamente a única fintech de crédito autorizada pelo Banco Central como Sociedade de Crédito Direto (SCD) que tem esse convênio."
E AS SOLUÇÕES TRADICIONAIS? As linhas de crédito e microcrédito oficiais, concedidas pelo governo estadual ou municipal e customizadas para o pequeno negócio, também podem ser uma alternativa mais rápida para empresas organizadas que precisam de empréstimo.
Para as de pequeno porte (MEI, ME e EPPs) localizadas no Estado de São Paulo, Patrícia cita o Banco do Povo Paulista (BPP), que oferece até R$ 21 mil para investimento ou capital de giro.
É necessário que a empresa tenha conta corrente pessoa jurídica, de preferência com histórico de movimentos, e que elabore um plano de utilização dos recursos.
A linha faz parte do Empreenda Rápido, programa do governo do Estado de São Paulo em parceria com o Sebrae-SP, cujo certificado de uma capacitação em gestão gratuita é pré-requisito para aprovação. Os juros são de até 0,55% ao mês, e é necessário que haja um agente do BPP no município onde a empresa está localizada, explica.
No âmbito federal, existem as linhas de capital de giro ligadas ao Fampe, operacionalizadas por vários bancos, como as já citadas pelo presidente da ACCredito, que atuam como parte da garantia. Já o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) estará vigente até 2024 e, assim como o Fampe, pode ser captado direto na maioria das instituições bancárias.
"O empresário deve também consultar o banco onde já possui relacionamento, uma vez que tal histórico e proximidade tende a facilitar a liberação de recursos", lembra a especialista do Sebrae-SP.