Profissionais de diversas áreas têm optado por se desligar de empresas que exigem retorno integral ao trabalho presencial. A queda nas ofertas de vagas remotas e a imposição de modelos rígidos de jornada têm impulsionado uma onda de demissões voluntárias em todo o país. Segundo o Ministério do Trabalho, só em 2024, mais de 8,5 milhões de trabalhadores deixaram seus empregos por vontade própria — muitos deles motivados pelo fim do home office.
O movimento, que se fortaleceu com a pandemia e a adoção do trabalho remoto, ganhou fôlego em meio à retomada obrigatória do presencial por parte de algumas empresas. Um levantamento realizado com 53.692 trabalhadores que pediram demissão mostrou que 21,7% citaram dificuldades de mobilidade como fator decisivo, enquanto 15,7% apontaram a falta de flexibilidade e 9,1% relataram responsabilidades familiares como impeditivos para seguir no regime presencial.
A preferência pelo home office está ligada a uma reconfiguração de valores no ambiente corporativo. Mais do que remuneração financeira, os profissionais passaram a priorizar qualidade de vida, saúde mental, segurança e tempo com a família — benefícios intangíveis conhecidos como “salário emocional”.
Rael Souza, profissional de TI de Santo André (SP), trocou o escritório pelo volante de um aplicativo após ter de enfrentar quase 5 horas de deslocamento diário com ônibus, trens e metrô. Já Michelle Barbosa, recrutadora de tecnologia, destaca que o trabalho remoto permitiu perder 11 kg, melhorar o inglês e acompanhar o crescimento do neto. “Conheci o céu. Não tem como voltar ao inferno”, afirma, sobre o modelo presencial.
Esses casos refletem o desejo de manter uma rotina com mais autonomia e menos estresse. Uma pesquisa do Gartner revelou que 33% dos executivos forçados a voltar ao escritório consideram pedir demissão.
Entre os principais fatores que desestimulam o retorno ao presencial estão:
Longo tempo de deslocamento em transportes lotados;
Medo de assaltos, segundo 86% dos entrevistados pelo Datafolha;
Casos recorrentes de assédio, com 3 em cada 4 mulheres relatando episódios no transporte público, segundo o Ipec;
Enchentes, imprevisibilidade e tempo longe da família.
A sobrecarga também impacta mães e pais que precisam conciliar trabalho e responsabilidades familiares. Muitos relatam a impossibilidade de participar da vida dos filhos em jornadas totalmente presenciais.
Enquanto algumas companhias voltam ao modelo tradicional, outras seguem apostando no home office como diferencial competitivo. É o caso da Atlantic Tax & Advisory, que adotou a semana de 4 dias e contratou colaboradores de outras regiões do país. O QuintoAndar manteve o trabalho remoto integral para sua área de tecnologia e obteve ganhos em diversidade e produtividade. Já a agência Dale instituiu o “Anywhere Office”, com liberação para trabalho em qualquer lugar do mundo.
Essas experiências mostram que, quando bem estruturado, o trabalho remoto pode contribuir para o crescimento dos negócios.
De acordo com levantamento da Mercer Brasil com 365 gestores de RH:
76% demonstram insegurança com a produtividade;
66% apontam excesso de reuniões;
61% dizem que a liderança é um desafio no remoto;
52% citam a cultura organizacional como impeditivo.
Ainda assim, especialistas destacam que as falhas estão mais ligadas à má gestão do que ao modelo em si. Segundo Taís Targa, mestre em educação e trabalho, “julgar a resistência ao presencial como capricho ignora as reais dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores”.
O modelo híbrido surge como solução intermediária entre os interesses das empresas e as novas expectativas dos profissionais. Para especialistas, ele permite preservar os benefícios do remoto, como foco e bem-estar, sem abrir mão do contato presencial estratégico, como reuniões, treinamentos ou ações de cultura organizacional.
“O ideal é que as lideranças atualizem sua visão e compreendam as necessidades da equipe. Ouvir os colaboradores e oferecer condições adequadas de trabalho é essencial para manter a produtividade e reduzir a rotatividade”, finaliza Taís.